10 de julio de 2006

Capotiando

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Ela não o odiava. Se fosse assim, ao menos ele poderia tê-la odiado também, de forma simples e incondicional. Embora ela o jogasse nos braços de outras pessoas, não o ignorava realmente; se o fizesse, talvez ele pudesse tê-la ignorado. O que ela fez foi pior: deixou muito claro que depois de tanta batalha para ganhar a custódia do filho, seus sentimentos por ele eram ambivalentes – amava-o e não o amava; queria-o e não o queria; orgulhava-se de tê-lo como filho mas tinha vergonha dele. Ela oscilava entre esses extremos e, de um dia para o outro ou mesmo de uma hora para outra, não se podia prever como o receberia.

A mãe que ele tivera em Moroeville era carinhosa e cheia de preocupação (Truman antes de morar com a mãe vivia com as tias). Mas a outra, que não o amava, via-o com desconfiança, como se ele não fosse seu filho e sim do pai com quem tanto se parecia – apenas um substituto do filho que ela gostaria e achava que devia ter tido com Joe (segundo marido de Lilie Mae, mãe de Truman). Essa mãe sabia ser fria e cruelmente crítica, buscando constantemente as falhas a serem erradicadas.

Muitas vezes ela o acusava de mentiroso, temendo que ele tivesse herdado de Arch (pai de Truman) a incapacidade de distinguir a verdade da mentira. Joe tentava acalmá-la garantindo que todos os meninos inventam histórias, mas não a convencia. Truman, enciumado com o monopólio que Joe parecia ter do afeto da mãe, não via sua ajuda com bons olhos. Joe esforçava-se para ser bom padrasto, mas Truman só o hostilizava, caçoando de seu sotaque ou repetindo em tom jocoso cada palavra dita por ele. Joe recebia essas afrontas com paciência. Nina não(novo nome de Lilie Mae). As mentiras e as grosserias de Truman com o marido deixavam-na irritada, embora fossem aborrecimentos com os quais conseguisse conviver. O que realmente a incomodava em Truman, o que ela achava embaraçoso, intolerável, impossível de aceitar, era algo contra o que ele nada podia fazer: seus modos efeminados.

Em Monroeville, ele ficou marcado como maricas, e até onde se lembrava, tinha consciência de ser motivo de comentários, de ser alguém cujos pais e parentes viam-se na obrigação de defender ou por quem se desculpar. Segundo Tiny, irmã de Nina, as outras tias não deixavam os filhos brincar com Truman por causa do seu “jeito de maricas”. Com o passar dos anos a diferença entre Truman e os outros meninos foram se acentuando – Truman continuava frágil e bonito como uma boneca de porcelana, e seus modos, o jeito de andar ou parar, começavam a ficar esquisitos, diferentes dos outros meninos. A voz também soava estranha, particularmente infantil e artificial, como se, conscientemente, ele tivesse decido que essa parte dele, a única que podia impedi-lo de amadurecer, ficaria fixada para sempre na infância, de modo que lembrasse de tempos mais simples e felizes. Se as feições e o resto do corpo custaram a amadurecer, isso nunca aconteceu com o jeito de falar. “Ele tem a mesma voz que tinha no quarto ano”, observou um de seus professores, quando Truman já atingira a meia-idade. “Eu o ouço no rádio ou na televisão e me lembro perfeitamente de quando era menino.”

Mas ninguém tinha mais consciência que Truman de que alguma coisa estava errada. Até os 9 anos de idade, mais ou menos, ele achava extremamente difícil ser um menino e preferia ser uma menina. “Eu não me sentia aprisionado no corpo errado. Não era transexual. Mas achava que tudo seria mais fácil se eu fosse menina.” Qualquer pai ficaria preocupado com um filho assim. Nina, sempre muito sensível em relação ao que pensavam as outras pessoas, preocupava-se demais: na verdade uma obsessão. Se os amigos de Nova York faziam algum comentário, ela os interrompia, enraivecida: ninguém senão a mãe estava autorizado a criticar seu filho. Mas os comentários a feriam. Truman jamais lhe saía da cabeça, e ela fazia questão de nunca sair da dele, também. Vivia humilhando-o, importunando-o, implicando com ele.

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Clarke, Gerald. Capote - Uma Biografia. Editora Globo, páginas 45,46. (destaques nossos)

3 comentarios:

Anónimo dijo...

obáá!!! quero ler!! eu li o a sangue frio e vi o philip sêmola no filme (impecável!), fiquei curious agora..!...
vou tentar ler o bonequinha de luxo tbm (que é ficcção, né?), pra comprementá o pacote 'show de truman' rs..
bjs marcelo!!

John dijo...

Capotei. Sempre elas, as mães...

Alex dijo...

Bah, esta mãe lembra uma que conhecemos ou é impressã minha?

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Eu não consigo tempo pra terminar o In Cold Blood.

Mas é bom que doi.

;-)